Criptomoedas, Crime e Conformidade na América Latina
Avaliando o estado atual da adoção de criptomoedas na América Latina.
Em Setembro de 2022 assinalou oficialmente o momento em que a bitcoin se tornou a moeda corrente em El Salvador. Enquanto El Salvador continua a ser o centro das atenções nesta matéria, outros países latino-americanos também têm dado os primeiros passos para ampliar a adoção de criptomoedas. Por exemplo, a Província Argentina de Mendoza permite que hoje em dia os seus contribuintes paguem em criptomoedas; uma empresa do sector imobiliário brasileira passou também a aceitar bitcoin como pagamento, e a Venezuela usa sua moeda digital estatal, Petro, para realizar pagamentos de serviços sociais.
Consequentemente à medida que a indústria de criptomoedas na América Latina crescessem regulamentação efetiva, o risco de exploração por atores ilícitos também se torna mais proeminente, inclusive como um veículo alternativo para lavagem de recursos ilícitos. Isso é particularmente preocupante na América Latina, onde o Departamento de Estado dos EUA já identificou e listou 20 países latino-americanos considerados de alto risco para lavagem de dinheiro.
Este artigo visa, portanto, avaliar o estado atual da adoção de criptomoedas na América Latina, identificando exemplos em que o abuso (seja por estados ou criminosos) possa ocorrer, bem como procura descrever que respostas devem ser dadas pelos formuladores de políticas nacionais e globais.
Ao analisar a conexão entre criptomoedas e a atividade criminosa na região entre Julho de 2019 e Junho de 2020, a Chainalysis informou entre 2,4% de todo o volume de criptomoeda recebido, 1,6% está ligado a operações criminosas. Essa fração indica que, embora não haja necessariamente uma mudança generalizada relativamente ao uso de criptomoedas para atividades criminosas, a indústria de criptomoedas corre riscos de exploração e precisa reagir conformemente.
Especificamente, a exploração de criptomoedas na região está particularmente ligada às Organizações Criminosas Transnacionais (TCOs) colombianas, ao cibercrime e à evasão de sanções. Assim, sem a implementação adequada da legislação, regulamentação e medidas de execução focadas em criptomoedas, o risco de exploração da indústria de criptomoedas inevitavelmente aumentará, à medida que o uso e o acesso a criptomoedas também aumentem.
O que está impulsionando a adoção de criptomoedas?
Diversos fatores económicos e políticos estão ligados à adoção de criptomoedas na região. Por exemplo, a hiperinflação, uma taxa de inflação mensal superior a 50%, é citada como um fator na taxa de adoção de criptomoedas na Venezuela. No final de 2021, o país saiu oficialmente de um período de hiperinflação de quatro anos, mas ainda manteve uma taxa de inflação de 686,4% na sua base anual. A falta de fé na capacidade de uma moeda doméstica nacional em manter seu valor pode resultar numa mudança para outros ativos de retenção de valor. Embora a volatilidade das criptomoedas represente um risco para os consumidores, isso pode parecer tolerável quando comparado à perda de valor causada pela taxa de hiperinflação de um país, que leva os seus cidadãos a investir e movimentar suas economias em criptomoedas.
Para o governo de El Salvador, a adoção da criptomoeda pode ter sido percebida como um benefício adicional ao oferecer um potencial de rejuvenescimento da economia, proporcionando assim um aumento dos lucros dos cidadãos. Além de legislar o uso de bitcoin, o presidente salvadorenho anunciou em Junho de 2021 que o governo planeava desenvolver instalações de mineração de bitcoin aproveitando a energia geotérmica barata de vulcões no país, esperando que com isso pudesse atrair mineradoras de criptomoedas e, em retorno, fortalecer a economia, aumentando as oportunidades de trabalho e obtendo receitas com o processo de mineração.
A redução dos custos de transação nos envios de remessas por criptomoeda representa um terceiro fator importante na taxa de adoção na região. Para alguns países as remessas representam uma grande fração de seu PIB. De acordo com dados do Banco Mundial, as remessas pessoais recebidas representaram 24.1% do PIB total de El Salvador em 2020.
Em setembro de 2022, o governo salvadorenho já havia instalado 231 caixas eletrónicas de criptomoedas controlados pelo governo, conhecidos como caixas eletrónicas Chivo, em El Salvador e nos Estados Unidos. O objetivo destas caixas eletrónicas é aumentar o acesso ao envio e recebimento de remessas de criptomoedas (daí sua presença também nos EUA). Reduzir ou remover as taxas de comissão de transações proporciona o benefício adicional de permitir que os usuários coloquem mais fundos de remessa na economia.
Por fim, os incentivos do governo também têm encorajado a integração de criptomoedas na sociedade. O impacto dessas medidas varia em escala, dependendo da medida em que afetam as atividades cotidianas da população. Em El Salvador, a introdução da legislação da bitcoin teve como objetivo incentivar uma mudança no uso da bitcoin em diferentes setores. De acordo com o Artigo 7 da Lei Bitcoin, todos os agentes económicos em El Salvador são obrigados a aceitar bitcoin como forma de pagamento de bens e serviços quando oferecidos por um cliente, independentemente de seu apetite. Apesar desse requisito, o projeto recebeu uma resposta mista.
Em agosto de 2022, o jornal salvadorenho La Prensa Grafica entrevistou 1.506 pessoas no país para avaliar a resposta da população à decisão de tornar o bitcoin moeda legal, constatando que menos de um quarto do público (22,9%) aprovou, quase dois terços (65,7%) desaprovou e, 11,5% não comentaram. A evidência desse desinteresse é ainda reforçada por uma pesquisa publicada pela Câmara de Comércio e Indústria em 2022, na qual apenas 13,9% das empresas relataram ter feito vendas em bitcoin desde que a moeda tornou corrente.
Qual é a escala da atividade criminosa?
Conforme observado acima, estima-se que as operações criminosas na América Latina representem 2,4% de todo o volume de criptomoeda recebido e 1,6% do volume enviado de Julho de 2019 a Junho de 2020. 61% desta atividade criminosa foi associada a esquemas de fraude de criptomoedas. Por exemplo, o AirBit Club, uma empresa fraudulenta de mineração e comércio de criptomoedas que operava na região e no estrangeiro, roubou dezenas de milhões de dólares das vítimas. Juntamente com esquemas como este, também existem evidências de exploração de criptomoedas por organizações criminosas na América Latina para movimentação e lavagem de lucros ilícitos. Essa atividade inclui o uso de criptomoeda por TCOs e cibercriminosos, bem como o uso potencial de criptomoedas para contornar sanções.
Considerando apenas a venda de drogas nos Estados Unidos, América Central e México, as TCOs colombianas geram US$ 10 bilhões por ano. Tradicionalmente, os rendimentos ilícitos associados a este negócio são lavados no mundo “off-line” por meio do mercado negro de câmbio de peso e lavagem de dinheiro baseada no comércio. No entanto, a Administração de Fiscalização de Drogas (DEA) americana observou que os TCOs colombianos também têm